Materiais Especiais

A herança digital já é uma realidade A herança digital já é uma realidade

A herança digital já é uma realidade

A herança digital já é uma realidade

16/12/2022

Por Hadija Al-Debes Soares

“A herança digital é uma realidade sem retrocesso”. A fala de Fernanda Mathias de Souza Garcia - Assessora Jurídica no Superior Tribunal de Justiça e Analista Judiciária do Supremo Tribunal Federal - revela um pouco da notoriedade da “Herança Digital”. E para melhor compreensão, é necessário entender o conceito e as implicações deste instituto no ordenamento jurídico brasileiro atual.

   Primeiramente, é importante ressaltar que, hodiernamente, não existem parâmetros suficientes no Brasil para o destino da herança digital e seu tratamento, no que diz respeito à legislação vigente. No entanto, trata-se de uma temática atual, sobretudo devido às, cada vez mais comuns, relações sociais online e de armazenamento de dados em “nuvem”. Isto se resume em um modelo de computação que permite armazenar na Internet, por meio de um provedor, uma quantidade de arquivos e um conjunto de informações que se tem sobre algo ou alguém, permitindo assim, o acesso a estes materiais através do uso de Internet pública ou uma conexão de rede privada, de qualquer lugar do mundo. Nesse sentido, a adaptação à uma sociedade que avança todos os dias na área da tecnologia é essencial ao Direito também e, nesse caso, ao Direito das Sucessões.

   O Direito das Sucessões, estudo pertencente ao Direito Privado, estabelece a “herança” como um todo unitário, sobre a qual estão inclusos o patrimônio material e os bens imateriais da pessoa humana, tais como bens de valor afetivo. Deste modo, a sucessão pode ser legítima ou testamentária, sendo a primeira, decorrente da ordem de sucessores expressa em lei (mais especificamente no artigo 1.829 do Código Civil de 2002) e a segunda, estabelecida pelo próprio falecido, quando ainda em vida, mediante testamento.

 Contudo, a herança digital consiste em bens acumulados em vida pelo autor, no âmbito virtual, e que geram valor econômico ou não, como páginas, contatos, postagens, manifestações, likes, seguidores, perfis pessoais, senhas, músicas, entre outros elementos imateriais adquiridos nas redes sociais também. Com isso, o estudo deste instituto é essencial nos dias de hoje, principalmente, em razão de o cenário pós-pandêmico ter dado ênfase ao crescimento de novas modalidades de trabalho, como a configuração do Home Office, novas modalidades de estudo e lazer remotos, como os institutos educacionais que adotaram a modalidade híbrida ou até mesmo à distância e ter estimulado, também, a ascensão da Internet, como principal canal de compra e venda de produtos e ideias.

Segundo dados publicados, em julho de 2022, pelo Money Times, o Brasil é o primeiro colocado no ranking mundial onde os influenciadores digitais são mais relevantes para decisão de compra, juntamente ao fato de o país ter mais de 150 milhões de usuários nas redes sociais. Logo, tendo em vista que os influenciadores digitais utilizam das redes sociais para produção de conteúdo, divulgação de ideias, marcas ou produtos e que desta maneira, quando engajados (tem reconhecimento expressivo), recebem retorno financeiro muitas vezes pela representação de empresas terceiras ou pelo próprio empreendedorismo, não se pode deixar de pensar que todas essas relações comerciais têm como base o uso de dados pessoais.

Portanto, é nessa perspectiva que muitas plataformas digitais já contam com ferramentas que preveem o destino desses dados após o falecimento da pessoa humana. Ao Google, é atribuído uma espécie de Testamento Digital Informal, no qual o usuário pode escolher as pessoas que receberão os dados acumulados em vida; no caso do Facebook, desde 2007, existe a possibilidade de transformar a conta em memorial ou pedir a sua exclusão a partir da apresentação de Certidão de óbito; o Twitter, apesar de depender de um procedimento mais longo, que tramita perante a própria empresa, possibilita que os familiares baixem os tweets públicos (publicações feitas pelo usuário ao longo de sua atividade na plataforma) e solicitem a exclusão do perfil; por fim, quanto ao Instagram, é permitida a exclusão da conta mediante preenchimento de formulário online com a comprovação de tratar-se de membro da família, estando disponível também a transformação do conteúdo compartilhado em memorial.

   Assim, em se tratando especificamente da legislação brasileira atual, no caso da herança digital patrimonial (de valoração econômica) e da sucessão legítima, utilizada em analogia, acaba por presumir a vontade do falecido, preservando o princípio fundamental da continuidade da pessoa. Também há a sua submissão à Lei de Direitos Autorais (mais especificamente ao artigo 41 da Lei 9.610/98) que estabelece, aos frutos gerados, prazo prescricional de até 70 anos após a morte do autor para serem fruídos pelos herdeiros, prazo este contado a partir de 1° de janeiro do ano subsequente ao seu falecimento. Além disso, tramitam três projetos de lei que abordam a “herança digital” como tema, dois propostos pela Câmara dos Deputados e outro pelo Senado Federal - PL 8562/2017; PL 6468/2019; PL 1689/2021.

   Sendo assim, a aquele que tem o desejo de atribuir suas senhas, logins, fotos, contatos, mensagens, acesso às plataformas digitais, redes sociais ou quaisquer outros dados pessoais próprios a pessoas especiais, como por exemplo, amigos, familiares específicos ou parceiros de trabalho, é indispensável redigir essa vontade em testamento e registrá-lo em cartório, com o auxílio de um (a) advogado (a). Caso contrário, se assim não proceder, há a possibilidade de qualquer membro familiar ou aquele considerado herdeiro legítimo, recorrer ao acesso a essas informações sigilosas e pessoais.

Ainda que muito nova no Brasil, a herança digital já é uma realidade na área jurídica, com a tendência de, sem previsão legal ou qualquer adaptação às leis vigentes e relacionadas à temática, vir a ser pauta de litígios que vão além do Poder Judiciário, devido a manipulação e transferência desses dados pessoais por parte de plataformas internacionais. Por conseguinte, a herança digital não retrocede, mas avança à medida em que a sociedade acompanha as tecnologias e, consequentemente, o Direito deve acompanhar a sociedade.

 

Referências Bibliográficas:
TARTUCE, Flávio. Herança Digital e Sucessão Legítima Primeiras Reflexões. Migalhas, setembro de 2018

LIMA, Isabela Rocha. Herança Digital: Direitos Sucessórios de Bens Armazenados Virtualmente. Monografia - Universidade de Brasília - Faculdade de Direito, 16 de janeiro de 2013.

LEI Nº 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002 - Institui o Código Civil.

LEI Nº 9.610, DE 19 DE FEVEREIRO DE 1998 - Altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências.

Contato

Estamos à disposição para entender sua necessidade, priorizar seu caso
e defender seus interesses com a energia que você e sua empresa
procuram e merecem.

(11) 4324-2680
(19) 3661-5806

contato@avg.adv.br

SÃO PAULO - SP
Rua Amaro Cavalheiro, 347
28º andar, conj. 2810 - Pinheiros
CEP 05425011

ESP. SANTO DO PINHAL - SP
Rua Floriano Peixoto, 160
Centro
CEP 13990000