Como é de conhecimento, desde o ano de 2007 com sancionamento da Lei 11.441[1], o sistema jurídico brasileiro passou a permitir a realização de inventário, partilha, separação consensual e divórcio consensual pela via administrativa, através de escritura pública perante um Tabelionato de Notas.
Nota-se que o espírito da citada norma, acompanhado pelo atual Código de Processo Civil, é a desjudicialização. Contudo, uma simples interpretação literal do artigo 610 da referida norma parece ir na contramão, vetando a possibilidade do processamento do inventário extrajudicial, uma vez presente herdeiro menor incapaz.
No entanto, hodiernamente, a jurisprudência vem relativizando a norma no sentido de autorizar as Serventias Notariais a lavrar o inventário extrajudicial mesmo quando da existência de herdeiro incapaz.
Tanto é que encontra-se em tramitação um Projeto de Lei do Senado nº 217, de 20183 com o fito de alterar o artigo 610 do Código de Processo Civil, visando permitir a realização do inventário mesmo quando houver eventuais implicações no interesse de incapazes.
No mesmo sentido, a Câmara dos Deputados também encabeçou o Projeto de Lei nº 606/224.
De tal modo, considerando que a trasmissão da herança acontece de forma imediata e automática aos herdeiros e legatários no momento do falecimento do proprietário e titular dos direitos (princípio da saisine – artigo 1.784 do Código CiviI5), não faz sentido a norma obrigar os herdeiros e interessados a procurar o judiciário para processar o inventário, desde que observada a partilha legal.
A par de tais premissas a Justiça de São Paulo autorizou a realização do inventário extrajudicial mesmo com a existência de herdeiros menores e incapazes. O processo tramitou perante 3ª Vara Cível da Comarca de Leme/SP, interior do Estado de São Paulo.
Situação análoga e inovadora da mitigação da norma regente se deu por meio do posicionamento da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, que por unanimidade, deu provimento ao Recurso Especial nº 1.808.7676, permitindo a realização do inventário extrajudicial em que o falecido havia deixado testamento.
Em arremate, nota-se um importante avanço no sistema jurídico brasileiro no caminho da desjudicialização, permitindo a realização de inventário extrajudicial mesmo com a existência de herdeiros ou legatários menores e incapazes, desde que obedecido as regras sobre a partilha legal e precedido de autorização judicial, até tramitação e definição dos projetos legislativos para alteração da norma esculpida no artigo 610 do Código de Processo Civil.
REFERÊNCIAS
1 BRASIL. Lei Federal nº 11.441, 04 de janeiro de 2007. Brasília. Presidência da República do Brasil, 2007. Disponível em : < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ _ato2007-2010/2007/lei/l11441.htm>. Acesso em: agosto 2022.
2 BRASIL. Lei Federal nº 13.105, 16 de março de 2015. Brasília. Presidência da República do Brasil, 2015. Disponível em : < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: agosto 2022.
3 SENADO. Projeto de Lei do Senado nº 217, de 2018: Disponível em: <https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/133124>. Acesso em: agosto 2022.
4 CAMARA DOS DEPUTADOS. Projeto amplia possibilidades de inventário extrajudicial. Projeto de Lei 606/22: Disponióvel em: < https://www.camara.leg.br/noticias/861563-projeto-amplia-possibilidades-de-inventario-extrajudicial/>. Acesso em: agosto 2022.
5 BRASIL. Lei Federal nº 10.406, 10 de janeiro de 2002. Brasília. Presidência da República do Brasil, 2002. Disponível em : <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm> Acesso em: agosto 2022.
6 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça STJ. RECURSO ESPECIAL : REsp 1808767 RJ 2019/0114609-4. Relator: Ministro Luis Felipe Salomão. DJ 15/10/2019. Fonte: STJ: https://processo.stj.jus.br/processo/pesquisa/?src=1.1.2&aplicacao=processos.ea&tipoPesquisa=tipoPesquisaGenerica&num_registro=201901146094. Acesso em: agosto 2022.