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Caso Lojas Americanas – Fraude contábil? Cultura Organizacional tóxica? Caso Lojas Americanas – Fraude contábil? Cultura Organizacional tóxica?

Caso Lojas Americanas – Fraude contábil? Cultura Organizacional tóxica?

Caso Lojas Americanas – Fraude contábil? Cultura Organizacional tóxica?

10/06/2023

O calor midiático gerado sobre o escândalo envolvendo as Lojas Americanas arrefeceu, mas o caso continua sendo debatido no mundo acadêmico, nas escolas de negócio e nos grupos criados em redes digitais onde participam profissionais de background e expertise bastante relevante.

De tempos em tempos, lamentavelmente, testemunhamos em todo o mundo empresas de presença e reputação consolidadas no mercado expostas por esquemas fraudulentos complexos de serem compreendidos, mas que geram prejuízo de toda espécie, inclusive crises de confiança generalizada no mercado em que atuam.

O caso das Lojas Americanas não foi diferente, e gerou uma grande turbulência no mercado, entre outras razões, por tratar-se de uma empresa de capital aberto no mercado mobiliário brasileiro, listada na principal categoria da B3, aquela com o nível mais sofisticado de Governança Corporativa, com acionistas de referência há mais de 40 anos conhecidos no mercado brasileiro e estrangeiro, considerados agressivos, mas altamente eficientes na realização de resultados financeiros.

Então, a pergunta que todos se fazem é, o que deu errado?

Comecemos por uma retrospectiva cronológica.

Em 11 de janeiro de 2023 a Lojas Americanas divulgou fato relevante ao mercado informando a renúncia de Sergio Rial (ex. Santander) à sua posição de CEO, após ocupá-la pelo período de apenas 10 dias, assim como a renúncia de André Covre (ex. Grupo Ultra), da posição que também ocupou por 10 dias, de CFO e RI.

A motivação das renúncias seria a identificação de “inconsistências em lançamentos contábeis” dos anos anteriores, incluindo parte do ano de 2022 da ordem de R$ 20 bilhões.

As inconsistências identificadas, segundo o fato relevante publicado, teriam relação com “a existência de operações de financiamento de compras em valores da mesma ordem acima, nas quais a Companhia é devedora perante instituições financeiras e que não se encontram adequadamente refletidas na conta fornecedores nas demonstrações financeiras.”

Adiante constatou-se que o valor envolvido no escândalo seria o dobro do valor informado inicialmente, o que gerou, inclusive, um pedido de Recuperação Judicial da empresa, apresentado na 4ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro.

O mercado foi alertado que a chamada inconsistência contábil dizia respeito à uma prática, segundo rumores disseminados, amplamente difundida no comércio varejista, chamada de “risco sacado".

O “risco sacado” (ou “fortait”, “confirming”, “securitização de contas a pagar”) explicado de forma educativa, seria uma evolução da antiga operação de desconto de duplicata, em linhas gerais, a participação de uma instituição bancária em uma operação de compra e venda de varejo, como um agente financiador, adiantando o pagamento a um vendedor, sub-rogando-se do crédito perante o comprador.

A grande discussão levantada, até então, seriam as implicações deste financiamento e em qual linha contábil elas deveriam ser lançadas para garantir transparência e visibilidade ao mercado do valor real da organização.

No entanto, em 13.06.2023 novo fato relevante foi divulgado ao mercado noticiando que assessores jurídicos do Conselho de Administração da Americanas, após análise preliminar de documentos entregues pelo comitê de investigação independente contratado pela organização, indicavam que “as demonstrações financeiras da Companhia vinham sendo fraudadas pela diretoria anterior da Americanas” e, que, não bastasse a fraude, referida diretoria se esforçava “para ocultar do Conselho de Administração e do mercado em geral a real situação de resultado e patrimonial da Companhia”.

O novo fato relevante trouxe novas práticas ardilosas adotadas pela organização para maquiar o seu resultado, agora nomeada de (“VPC”) ou, contratos de verba de propaganda cooperada e instrumentos similares, utilizados como redutores de custo, sem lastro financeiro e contratação verídica.

O documento divulgado ao mercado nomeou 7 (sete) executivos e ex-executivos da organização como os responsáveis pela fraude bilionária.

O certo é que o caso demonstra a fragilidade da estrutura de Governança Corporativa da instituição, a falha nos controles internos e externos nos lançamentos contábeis e uma grande nebulosidade em relação à motivação dos executivos nas decisões tomadas e, quiçá, no envolvimento do conselho de administração, no mínimo, consubstanciado na ausência de monitoramento e fiscalização adequadas.

São diversos os pontos levantados até aqui, alguns na esfera da especulação, mas que geram certa perplexidade do mercado diante dos fatos já conhecidos, são eles: (i) como uma operações corriqueiras de compra e venda no mercado varejista e de contratos de verba de propaganda cooperada do montante hoje conhecido, financiadas por instituições bancárias, ficam camufladas no balanço de uma companhia aberta sujeita à controles tão robustos de fiscalização?, (ii) como, em apenas 10 dias, um executivo oriundo de uma das instituições bancárias credoras da Americanas identifica uma das práticas camufladas e renuncia a sua posição sendo que nenhum órgão interno ou externo de controle foi capaz de identificar a inconsistência praticada há anos? (iii) como auditorias internas e externas, inclusive a PwC, não identificaram as práticas? (iv) como os bancos credores circularizados não reportaram os créditos em seu poder? (v) como Conselheiros de Administração e Conselheiros Fiscais não suspeitaram da prática, tão focados que estão em resultados e demonstrações financeiras?

Diante do último posicionamento público da Americanas, parece não haver dúvidas de que a organização foi vítima de uma deliberada e dolosa prática fraudulenta para o auto beneficiamento de seus executivos, no entanto, restam questionamentos a serem esclarecidos, em torno do envolvimento de acionistas de referência da organização na trama e até que ponto membros do Conselho não teriam sido omissos no seu dever de fiscalização e monitoramento.

As investigações que estão em curso nos órgãos de controle certamente dirão a que título e há quem mais fez sentido a perpetração das referidas práticas contábeis.

Por ora, é importante ressaltar que as organizações empresariais são uma construção social para geração de valor, em última instancia, coletivo. Em sua base e razão de existir estão as pessoas, assim, se a cultura da organização for tóxica e enviesada, ou seja, a forma como a organização faz negócio é desvirtuada do valor coletivo, poucos se beneficiarão em detrimento dos muito prejudicados.

O caso da Americanas continua sendo objeto de análise e está longe de ser plenamente compreendido. Sem dúvida, será um escândalo estudado por muito tempo nas escolas de negócio e examinado minuciosamente por acadêmicos em busca do seu ponto primordial. No entanto, há uma clara constatação em relação à falha sistêmica na estrutura de Governança Corporativa da empresa. Isso ocorre porque nenhuma estrutura está imune quando a cultura organizacional não é orientada pela ética e integridade empresarial, valores que devem ser incorporados pelo exemplo de seus líderes.

Nesta era em que vivemos, de transformações profundas no ambiente de negócio, impulsionadas, especialmente, pela revolução digital, é crucial estimular novas competências técnicas e comportamentais nos colaboradores para abordar problemas altamente complexos. Nesse contexto, é essencial cultivar uma cultura empresarial que promova valores construtivos em todos os níveis da organização.

Keila Basilio Faim
Autor: Keila Basilio Faim

Advogada Mestre em Gestão da Competitividade na linha de Sustentabilidade pela FGV/SP, especialista em Direito das Relações de Consumo pela PUC/SP, em Direito Empresarial pela FGV/SP e em Governança Corporativa, membro do IBGC desde 2016 e integrante da Comissão Temática de Ética do Instituto. Graduada em Direito pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitas Unidas (FMU). Foi executiva da área jurídica em sociedades multinacionais e nacionais, atuando a frente das áreas de contencioso estratégico e de consultoria legal e integrando comitês de crise e de assessoramento à administração como os de Compliance, Regulatório Portuário e de Litígios para o Brasil e América Latina. Compõe os Comitês de Compliance e de Proteção de Dados do AVG.

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