Desde 1º de maio de 1943, data que foi promulgada a Consolidação da Leis do Trabalho – (“CLT”), a sociedade brasileira convive com o seguinte conceito de vínculo empregatício, de acordo com o Art. 3º deste dispositivo legal:
” Art. 3º – Considera-se empregada toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.”
Portanto, empregado é considerado aquele que presta serviços de forma não eventual, subordinado ao empregador e remunerado.
Entretanto, décadas se passaram e a paisagem laboral mudou drasticamente com a entrada em cena da Uber no Brasil, em 2014. Este marco desencadeou uma revolução nas relações de trabalho, unindo consumidores, motoristas parceiros e a plataforma digital em uma dança complexa de serviços e remunerações.
O motorista parceiro, inicialmente concebido para dirigir nas horas vagas, viu seu papel evoluir ao longo dos anos com o surgimento de plataformas como IFood, Rappi, 99 Taxi, Cabify e Loggi. À medida que essas plataformas multiplicavam, também se multiplicavam as reclamações trabalhistas, clamando pelo reconhecimento do vínculo empregatício e benefícios associados.
Poucos anos depois, em 2017, a Lei 13.467 conhecida como reforma trabalhista, inseriu através do artigo 442 – B nova previsão na CLT, no sentido de flexibilizar os vínculos empregatícios, conforme se verifica:
“A contratação do autônomo, cumpridas por este todas as formalidades legais, com ou sem exclusividade, de forma contínua ou não, afasta a qualidade de empregado prevista no artigo 3º desta consolidação.”
Assim, em meio à crise econômica e ao desemprego que assola o país, muitos brasileiros encontraram nos aplicativos de transporte e entrega uma saída para sustentar suas famílias, muitas vezes de forma exclusiva, enfrentando jornadas extenuantes.
Contudo, à medida que o número de trabalhadores nesse setor crescia exponencialmente, os tribunais se viam inundados com processos que montam quase 500 relacionados às empresas de mobilidade apenas no Tribunal Superior do Trabalho (TST).
O TST, campo de batalha para essa disputa, reflete uma dicotomia de opiniões. As 3ª e 8ª Turmas se inclinam para o reconhecimento do vínculo empregatício. Ministros argumentam que, dada a falta de controle do trabalhador sobre preços, repasses e modalidades de trabalho, a subordinação é evidente.
Contrapondo-se a isso, as 1ª, 4ª e 5ª Turmas do TST afastam a relação de emprego, enxergando autonomia nos motoristas. Para o ministro Amaury Rodrigues Pinto Júnior, a liberdade do motorista em decidir quando, onde e por quanto tempo prestará serviços é incompatível com a típica subordinação empregatícia.
Diante das decisões divergentes, as empresas de mobilidade têm buscado refúgio no Supremo Tribunal Federal (STF), apelando através de Recurso Extraordinário ou Reclamação Constitucional.
Recentemente, o ministro Cristiano Zanin revogou uma decisão que reconhecia o vínculo empregatício com a plataforma RAPPI. Em sua visão, o TST desconsiderou decisões vinculantes do STF, estabelecendo a licitude das formas de contratação previstas pelo artigo 3º da CLT, o que não se verificou no caso apreciado.
Isto posto, as empresas que têm levado a discussão para apreciação do STF têm obtido êxito, de modo que nenhuma decisão até o momento favoreceu os motoristas. Enquanto a legislação específica permanece ausente, a dança jurídica entre emprego e plataformas digitais continua deixando no ar a incerteza sobre o desfecho dessa trama jurídica em constante evolução.